sábado, 14 de setembro de 2013

Rua de Mão Dupla, Pacific e a linha tênue entre o documentário e o reality Show.






Os documentários observacionais tem muitas semelhanças com os Reality Shows mas não os reality de competição populares aqui no Brasil como o Big Brother, falo de um modo diferente de reality. Aqueles conhecidos como “Soap Opera´s” que tem como estrutura narrativa acompanhar a vida e o cotidiano de certa pessoa e expor sua intimidade. Este tipo de reality é muito comum nos EUA em exemplos como “Keeping Up With The Kardashians”, “The Hills” e muitos outros.

Alguns documentários tem se permitido experimentações com essa estética de invasão da intimidade alheia, algo meio voyeur. Um desses documentários é “Rua de Mão Dupla” (2002) de Cao Guimarães.

Cao propôs uma experiência no mínimo instigante a um grupo de pessoas. Que  elas trocassem de casa pelo período de 24 horas e que munidos de câmeras portáteis(e sem nenhuma noção básica de como filmar) registrassem as suas impressões da casa para qual foram designados e sua própria adaptação. O resultado é uma experiência reveladora da necessidade exibicionista do ser humano e da curiosidade pela vida alheia. Você se filmar de forma as vezes constrangedora e degradante leva a questionar até que ponto aquele situação é realmente “real” ou o quanto de encenação há ali naqueles momentos que o “outro” resolve retratar da casa alheia e mais, se aquilo que lhe serve de material fílmico realmente constrói a personalidade do outro. No final acaba por ser muito mais um estudo de uma realidade construída e de escolhas narrativas para criar uma realidade ensaiada. Podendo encontrar semelhanças com o Reality “Troca de Família” onde os participantes não se importam de invadir o espaço do outro, pré montar a personalidade de outra pessoa através de palpites e por contrapartida como diz o próprio nome do documentário de Cao Guimarães permitir que seu espaço seja invadido e que sua pessoa possa ser destroçada pelo outro.  


Já “Pacific”(2009) de Marcelo Pedroso que retrata uma viagem de cruzeiro através das imagens feitas pelos próprios passageiros se aproxima mais da estética do Reality Show ao exibir sem pudores e sem nenhum tipo de auto censura a degradação humana. As imagens feitas pelos próprios passageiros exibem sem nenhum tipo de controle a entrega daquelas pessoas aquela experiência exibicionista e sua necessidade incessante de aparecer. Neste caso, não é a visão sobre o “outro” mas sobre si próprio que prevalece. O exibicionismo e o narcisismo são predominantes aqui. A perda de todo e qualquer puder faz de “Pacific” o documentário que mais se aproxima do universo do reality show.



O Personagem perante a câmera:



Ali no território desconhecido as pessoas deixam sobressair o seu mais brega por assim dizer. Elas criam um personagem sobre quem desejam ser, de alto projeção – e por que não dizer de alto promoção. E assim também é nos Reality Shows as pessoas realmente fazem coisas que possam instigar o espectador. Elas assumem outra persona frente a câmera um personagem sim um personagem homônimo mas ainda sim um personagem. O “Eu” editado.

É claro que há uma seleção previa vinda não só do diretor frente ao extenso –imagino material bruto que conseguiu mas do próprio portador da câmera que seleciona quais partes de sua personalidade ele deseja mostrar. Há uma edição daquela personalidade onde as pessoas deixam transparecer traços nada agradáveis daquele(ela) personagem pré- montado. Como quando uma passageira diz”Isto aqui esta muito chato, eu vou reclamar mesmo,tô pagando” elas perdem o controle da situação ou pelo menos é isso que deixam transparecer ao encarar a câmera como algo trivial.

Ao possuir personagens que se jogam naquele universo sem amarras tendo a câmera como algo inerente ao seu universo de ostentações, de status, upgrade social. É ai que “Pacific” se define e define também a sua relação estreita  com a estética do Reality Show onde igualmente querer demonstrar sua superioridade, se tornar mitos inalcançáveis. Mas na maioria das vezes o que conseguem produzir é uma curiosidade incessante pelos tabus a serem quebrados a seguir, os limites que serão transgredidos em nome da auto promoção. Não vou mentir, é curioso e também altamente viciante você acompanhar a vida alheia mas te leva a questionar se vale a pena , se o ônus é realmente maior que o dito bônus da fama e justamente na sociedade atual onde se produz novos ídolos enlatados na mesma velocidade que as destrói.

Ao assistir “Pacific” por inúmeros momentos pensei estar diante de um episodio de “Keeping Up With The Kardashians” em mais um dos incontáveis e divertidos episódios de férias da mais famosa família dos EUA mas ao contrario desta quando você espera ansioso pelo próximo episodio aqui você espera ansioso pelo fim dessa experiência desagradável , agonizante e que provoca ojeriza mas que sobretudo te leva a refletir sobre os limites do outro para atingir a auto promoção onde a regra é ostentar e parecer mais do que é vide aos Reality´s Shows “The Real Housewifes of Orange Country” e sua versão brazuca “Mulheres Ricas” dadas as devidas proporções com o documentário de Pedroso.

No fundo o interesse tanto por este tipo de documentário quanto pelos Reality´s Shows vem não só da curiosidade – e acredite eles se valem da curiosidade alheia e sim do estudo do outro como objeto social tendo em mente que aquele universo pode ser roteirizado e editado em maior e menor grau. 

O que nos proporciona a reflexão: “O que é real na sociedade atual?”.   




 
  



Nenhum comentário:

Postar um comentário