domingo, 9 de fevereiro de 2014

Um Dia na Vida


Um dos últimos documentários de Eduardo Coutinho é uma experiência ousada, provocadora e rara. Isto porque “Um Dia na Vida” trata-se do registro de Coutinho da programação da televisão brasileira.


Concebido como fonte de pesquisa para outro filme “Um Dia na Vida” tomou vida própria e foi quase que condenado ao anonimato devido a questões de direitos de imagens. Mas se você me pergunta o que há de tão provocador e ousado em uma simples registro aleatório da programação. E eu lhe digo que a resposta está na intenção de Eduardo Coutinho e na sua proposta de registrar e constatar a “qualidade” da nossa TV. A forma com a qual Coutinho seleciona e monta o que retratar(pois é obvio que houve uma edição de  material para caber na 1h e35mn de filme) expõe um alegorismo e voyeurismo nosso de cada dia.

 Mas as imagens ali presentes pareciam ter uma razão obvia de estar ali. Coutinho parecia querer nos dizer algo a selecionar programas de gosto duvidoso e muitos com a tarja de “sensacionalista” como “Balanço Geral” , “Brasil Urgente” e “Márcia” e momentos non-sense como Ana Maria Braga tocando Guitar Hero. O diretor ao selecionar esses momentos parecia querer provocar questionamentos de quem por ventura fosse assistir esse material. Questionamentos da percepção da qualidade do que assistimos diariamente. Ao mesmo tempo que gostaria de provocar uma reação no telespectador médio, Coutinho também se vê anestesiado e provocado pelo material que assiste. Posso imaginar Coutinho , um homem de tanta cultura abismado ao presenciar a alegoria vergonhosa que assola a nossa TV aberta(com raras exceções).

É difícil saber o que o diretor pretendia ao elaborar esta experiência fílmica de gosto duvidoso (pelo seu conteúdo puramente asfixiante na maioria do tempo e não pela proposta enriquecedora de Coutinho em compreender este meio de comunicação universal que é a televisão. Há um despudor na seleção do material seja pelas pegajosas e insistentes ações de merchandising que toma conta da nossa TV, pelos programas sensacionalistas e policiais ou por aqueles de cunho religioso que se proliferou como água nos últimos anos e que tenta a todo o custo “doutrinar” o telespectador.

O fato de Eduardo Coutinho um documentarista que há meu ver, flertou com outras mídias em seus trabalhos(“Jogo de Cena” utiliza a dramatização teatral e “Edifício Master” se aproxima da estética confessional dos Realitys Shows). Nota-se uma necessidade do cineasta em compreender esse mecanismo poderoso que é a televisão ao mesmo tempo em que fica estapafúrdio na sua constatação do material exibido.
O telespectador embarca em uma “Bad Trip” televisionada que pode ser comparada a sensação de prisão que temos ao ler 1984 de George Orwell pela constatação de somos reféns de um “sistema”. Sistema enganador, cultural, non-sense ou burro como a banda Titãs canta na música “Televisão” do álbum homônimo.


“Um Dia Na Vida” foi fruto de uma pesquisa de Eduardo Coutinho fez para um documentário nunca realizado, acredito que o diretor percebeu o potencial que tinha nas mãos ao conferir o material e assim viu a possibilidade de estreitar relações e dialogar com o panorama da TV atual. Uma experiência fílmica riquíssima, é difícil apontar qual a real intenção de Eduardo Coutinho ao realizar esse filme e infelizmente nunca vamos saber ao certo, por razão de seu recente falecimento(motivo dessa crítica homenagem) mas, acredito que o cineasta gostaria de provocar uma reação em torno do que consumimos artisticamente.  




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